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Leve-me ao seu líder

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  Era perigoso viajar à noite, mas durante o dia isso poderia ser uma sentença de morte. O traje isolante de Sarah vinha falhando nas últimas semanas, e enquanto não conseguisse chegar a algum lugar onde pudesse repará-lo, era melhor permanecer durante o dia no porão de alguma casa em ruínas, e prosseguir somente depois que o sol houvesse se posto. Cansada daquela rotina, Sarah por vezes perguntava-se se não seria melhor desistir de tudo e entregar-se ao seu destino inevitável, já que pareciam não restar outros sobreviventes da catástrofe que se abatera sobre o planeta. Mas depois, ela dizia para si mesma que ainda não descobrira sua missão na Terra, e que precisava continuar tentando enquanto tivesse forças para tanto. Caminhava certa noite pelo acostamento de uma autoestrada que conduzia à cidade mais próxima, o céu negro cravejado de estrelas sobre sua cabeça e absoluta escuridão ao redor, quando viu acima um ponto luminoso que descia numa trajetória claramente guiada. Seu coração a

A Invocação do Mal

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  A invocação foi concluída. Um clarão seguido de uma coluna de fumaça surgiu, no meio do pentagrama invertido desenhado dentro de um círculo de proteção, no chão do porão do templo. Quando a fumaça se dissipou, as duas figuras encapuzadas que haviam efetuado o ritual, encararam com surpresa aquele que estava diante deles. - Quem é você? - Inquiriu um dos oficiantes. - Damien Gentil, pesquisador - respondeu calmamente o homem de colete de tweed, camisa branca e calças escuras, no centro do pentagrama. - E o que você estava fazendo no inferno, Gentil? - Indagou o outro oficiante, braços cruzados. - Verificando as condições de habitabilidade - redarguiu o pesquisador. - Estamos enfrentando problemas na Terra, e o inferno fica bem mais perto do que Marte. - Terra? Que eu saiba, não estamos com nenhum problema que nos obrigasse a considerar o inferno como opção de moradia - ponderou o primeiro oficiante, mão no queixo. - Ah, mas eu venho de uma outra Terra - explicou Gentil. - Tudo o que e

O hálito da deusa

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  - Respiração - disse Brangwy para Agnes. - Respiração? - Repetiu a menina, intrigada. - É como você entra em sintonia com a deusa - explicou a vate. - O primeiro passo, é aprender a controlar a própria respiração, para permitir que Bríd se manifeste em você. Vamos fazer um teste prático? Não é difícil! Para desapontamento de Agnes, a demonstração feita em seguida nada teve de esotérica; era apenas uma técnica de relaxamento: inspirar profundamente pelo nariz, expirar pela boca, de olhos fechados, e deixar a consciência do momento presente se esvair até que os pensamentos fossem silenciados. Ou o mais perto que se conseguisse chegar disso. - Como se sente? - Indagou Brangwy em seguida. - Descansada - admitiu Agnes, reabrindo os olhos. - Isso é apenas a preparação - advertiu Brangwy. - Depois, vêm as aulas de prosódia, onde se aprende como pronunciar corretamente as palavras, e só então as combina com o seu domínio da respiração para lançar um encantamento ou fazer uma prece. - E o que

Minha mente pode sentir

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  - Você esteve com Gwaeddan, a Negra - disse em tom retórico Brangwy, a vate. Diante dela Agnes, que se fazia acompanhar da mãe, Parnell, numa visita aos domínios da serva de Bríd, numa cabana na floresta de Pren Toredig. - Sim - admitiu Agnes, muito compenetrada. Brangwy lhe pareceu menos sociável e mais sisuda do que a ferreira, a qual ainda se permitia algumas tiradas bem-humoradas, embora eventualmente descrevesse de modo gráfico como eram feitos os sacrifícios à deusa no pântano. - E veio até mim na crença de que aqui o sacrifício será menor? - Inquiriu Brangwy, olhos cravados na garota, que se encolheu na cadeira onde estava sentada. - Não... senhora. Eu só quero saber mais sobre as profissões das mulheres, antes de tomar a minha decisão - apressou-se a dizer Agnes. - Pensei que quisesse alguém para seguir seus passos - Brangwy ergueu o olhar para Parnell, que deu de ombros. - Tudo a seu tempo. Quero que Agnes tenha todas as oportunidades que eu não tive, inclusive de escolher o

O preço do conhecimento

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  E no segundo dia, retornando Agnes ao pântano acompanhada de Gwaeddan, a ferreira, esta lhe falou sobre os espíritos que guardavam o lugar contra a intromissão de forças malignas. - Nosso povo veio do norte, fugindo de inimigos que nos perseguiam - explicou Gwaeddan. - Por muito tempo, nos abrigamos nas florestas ao redor do pântano, até que Bríd nos revelou como usar o ferro e a turfa, e assim nos defender contra quem nos atacasse. - A deusa veio nos visitar? - Inquiriu Agnes, surpresa pelo fato duma entidade tão importante preocupar-se com meros mortais. - Há quem diga que Bríd surgiu num sonho da sacerdotisa Eiluned - explicou pacientemente a ferreira; - outros dizem que Eiluned encontrou-se com ela numa ilha encantada no meio do pântano. Seja lá como for, Eiluned voltou para a tribo com o conhecimento das artes ensinadas pela deusa: a metalurgia do ferro, a poesia e a cura pelas plantas. Mas Bríd nos advertiu que seus ensinamentos tinham um preço, e que este preço deveria ser dep

Antípodas

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  Ano após ano, a produção de prata da mina de Cinzareia vinha diminuindo, até ficar claro que seria melhor prospectar em outro local das montanhas. Ninguém ficou surpreso quando, finalmente, Gruddrig Metalmanto, o superintendente, anunciou que Cinzareia seria fechada. - Estamos investindo pessoal e recursos que seriam melhor utilizados em outro lugar - foram suas palavras textuais. Ao longo dos meses que se passaram após o encerramento das atividades, a colônia mineira foi gradualmente se esvaziando, até que os únicos anões residentes na região eram os que já habitavam a vila de Borokali, como a família do ferrador Yuzmok Cobrenito. - Não quis seguir com seus irmãos? - Indaguei ao ferrador, quando fui encomendar novas ferraduras para os cavalos do alcaide. - Os Cobrenito não tem espírito aventureiro - confessou, dando uma tragada em seu cachimbo. - Estamos satisfeitos em viver entre os humanos, já fazemos isso há muitas gerações. - Mas, antes de partir, Gruddrig parecia estar realment

Posse compartilhada

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  Fredericka consultou a hora na tela do celular e ergueu os sobrolhos. - Nossa! O tempo parece que passa mais depressa quando estamos juntos... preciso estar em casa antes da meia-noite. Do outro lado da mesa do restaurante, Jacob sorriu. - Você e os seus horários... o que acontece se chegar um pouco depois? A carruagem vira abóbora? Fredericka suspirou. - Você não conhece Gerta, minha irmã... ela gosta de sair de madrugada; vai fazer um escândalo se eu me atrasar. Jacob fez sinal para um garçom que passava, sinalizando para fechar a conta. Depois, voltou-se para a jovem. - E Gerta quer ter certeza de que você vai estar em casa, antes de dar uma escapadela? Fredericka balançou negativamente a cabeça. - Você não entendeu Jacob... E tocando o peito com as duas mãos, sussurrou: - Nós dividimos este corpo.