Antípodas

 

Ano após ano, a produção de prata da mina de Cinzareia vinha diminuindo, até ficar claro que seria melhor prospectar em outro local das montanhas. Ninguém ficou surpreso quando, finalmente, Gruddrig Metalmanto, o superintendente, anunciou que Cinzareia seria fechada.

- Estamos investindo pessoal e recursos que seriam melhor utilizados em outro lugar - foram suas palavras textuais.

Ao longo dos meses que se passaram após o encerramento das atividades, a colônia mineira foi gradualmente se esvaziando, até que os únicos anões residentes na região eram os que já habitavam a vila de Borokali, como a família do ferrador Yuzmok Cobrenito.

- Não quis seguir com seus irmãos? - Indaguei ao ferrador, quando fui encomendar novas ferraduras para os cavalos do alcaide.

- Os Cobrenito não tem espírito aventureiro - confessou, dando uma tragada em seu cachimbo. - Estamos satisfeitos em viver entre os humanos, já fazemos isso há muitas gerações.

- Mas, antes de partir, Gruddrig parecia estar realmente animado com o futuro da colônia dos anões - relembrei. - Será que ele encontrou um bom filão de prata, do outro lado das montanhas?

Yuzmok fez um gesto negativo.

- Durante todo o tempo que durou a colônia de Gruddrig, ele procurava uma coisa muito mais preciosa do que metal; a prata era apenas um subproduto da busca, servia para manter as aparências e justificar a presença dos anões nas montanhas ao redor de Borokali.

Franzi a testa.

- Está me dizendo que Yuzmok era algum tipo de espião? A serviço de quem?

- Não disse isso - replicou o ferrador, colocando mais tabaco no cachimbo. - Yuzmok não tinha qualquer interesse na vila ou nos seus habitantes, mas no que está abaixo das montanhas. E só estou lhe contando isso, porque ele já conseguiu o que queria; não iria trair meu próprio povo antes que o objetivo fosse alcançado.

Ergui os sobrolhos.

- É algo que não pode ser dividido com os humanos de Borokali? - Questionei.

Yuzmok me encarou com franqueza.

- Veja... os humanos já têm todo este mundo para si. Os anões são minoria nele. Sabe o que Yuzmok procurava? Um novo lar para o nosso povo; um lugar onde não houvesse humanos.

- Do outro lado das montanhas? - Inquiri desconcertado. - Mesmo lá, há outros reinos humanos.

- Não do outro lado - replicou Yuzmok. - Abaixo das montanhas. Muito, muito abaixo.

E após dar outra tragada:

- Cavamos para baixo por gerações, até atingirmos o centro oco da Terra. O nosso povo está migrando para lá, para colonizar este novo mundo.

Então era isso. Agora tínhamos os anões abaixo dos nossos pés, espalhando-se livremente pela superfície interior de uma esfera oca. Mas eu previ que haveria problemas se, algum dia, eles resolvessem voltar a cavar na direção contrária...

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