Leve-me ao seu líder

 

Era perigoso viajar à noite, mas durante o dia isso poderia ser uma sentença de morte. O traje isolante de Sarah vinha falhando nas últimas semanas, e enquanto não conseguisse chegar a algum lugar onde pudesse repará-lo, era melhor permanecer durante o dia no porão de alguma casa em ruínas, e prosseguir somente depois que o sol houvesse se posto. Cansada daquela rotina, Sarah por vezes perguntava-se se não seria melhor desistir de tudo e entregar-se ao seu destino inevitável, já que pareciam não restar outros sobreviventes da catástrofe que se abatera sobre o planeta. Mas depois, ela dizia para si mesma que ainda não descobrira sua missão na Terra, e que precisava continuar tentando enquanto tivesse forças para tanto.

Caminhava certa noite pelo acostamento de uma autoestrada que conduzia à cidade mais próxima, o céu negro cravejado de estrelas sobre sua cabeça e absoluta escuridão ao redor, quando viu acima um ponto luminoso que descia numa trajetória claramente guiada. Seu coração acelerou; finalmente, poderia ser uma equipe de resgate! Disparou seu último sinalizador e esperou apreensiva, enquanto o artefato pirotécnico explodia no alto com um clarão vermelho. O ponto luminoso alterou a trajetória e pouco depois um facho de luz a atingiu. Sarah olhou para cima e percebeu que a silhueta que se desenhava contra as estrelas não era de nenhum veículo de salvamento. Pelo menos, não da Terra.

A aeronave, um grande oval com mais de 50 m de diâmetro, pousou sobre um talude à margem da estrada. Uma rampa iluminada abriu-se em seu ventre, e por ela desceram duas criaturas humanoides em trajes espaciais prateados e capacetes transparentes, por onde podiam-se ver rostos azulados. Sarah ficou parada, à espera da aproximação deles; não sabia se ria ou chorava pelo inusitado da situação.

- Lamento, mas acho que não vou poder levá-los ao meu líder - declarou, quando os visitantes chegaram perto o suficiente para poder ouvi-la.

- Aparentemente, não há mais nenhum outro da sua espécie vivo - disse um dos alienígenas, no idioma de Sarah. - Quando percebemos o que estava acontecendo ao seu sol, viemos o mais rápido que pudemos, mas não conseguimos chegar a tempo.

- Vocês não esperavam salvar toda a humanidade somente com uma nave espacial, não é? - Questionou Sarah, subitamente sentindo-se muito cansada.

- Não tínhamos esta pretensão - replicou o alienígena. - Apenas coletamos amostras do ecossistema nativo para repovoar o planeta, quando as condições de habitabilidade o permitirem.

- E no caso da Terra, tem ideia de quanto tempo levaria?

- Algumas centenas dos seus anos - redarguiu o alienígena. - Muito além da sua expectativa de vida normal.

- Mas nós temos uma proposta para lhe fazer - disse o outro. - Venha conosco, e como viajamos próximos à velocidade da luz, quando retornarmos, este período de tempo já terá transcorrido.

Sarah olhou o cenário de destruição ao seu redor. Bem, não havia muito que ela pudesse fazer ali, de fato. Todavia...

- Como esperam repovoar a Terra, se somente eu houver sobrevivido?

- O seu DNA - replicou o primeiro alienígena. - Podemos recombiná-lo em nossos laboratórios e gerar milhares de novos humanos, com a maior diversidade possível.

Sarah então compreendeu que, se houvesse um líder nesta Terra do futuro, este provavelmente seria ela mesma. Falava agora em nome de toda a humanidade.

- Eu não tenho mesmo muitas opções, não é? - Admitiu por fim.

E acompanhou os visitantes para a rampa da nave espacial que os aguardava, recortada contra as estrelas.

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