Minha mente pode sentir

 

- Você esteve com Gwaeddan, a Negra - disse em tom retórico Brangwy, a vate. Diante dela Agnes, que se fazia acompanhar da mãe, Parnell, numa visita aos domínios da serva de Bríd, numa cabana na floresta de Pren Toredig.

- Sim - admitiu Agnes, muito compenetrada. Brangwy lhe pareceu menos sociável e mais sisuda do que a ferreira, a qual ainda se permitia algumas tiradas bem-humoradas, embora eventualmente descrevesse de modo gráfico como eram feitos os sacrifícios à deusa no pântano.

- E veio até mim na crença de que aqui o sacrifício será menor? - Inquiriu Brangwy, olhos cravados na garota, que se encolheu na cadeira onde estava sentada.

- Não... senhora. Eu só quero saber mais sobre as profissões das mulheres, antes de tomar a minha decisão - apressou-se a dizer Agnes.

- Pensei que quisesse alguém para seguir seus passos - Brangwy ergueu o olhar para Parnell, que deu de ombros.

- Tudo a seu tempo. Quero que Agnes tenha todas as oportunidades que eu não tive, inclusive de escolher outro rumo, caso seja da sua vontade.

A vate fez um gesto de concordância.

- Muito nobre da sua parte.

E novamente para Agnes:

- O que você sabe sobre poesia, menina?

A garota franziu a testa, concentrando-se.

- É... sobre fazer rimas?

Brangwy fez um aceno negativo.

- A poesia é uma arte; e também, um ofício. Se você quiser realmente se dedicar à ela, saiba que irá estudar durante muitos anos para adquirir o conhecimento necessário, e que nem todos estão prontos para suportar o peso disso. Alguns morrem, outros enlouquecem... e os que sobrevivem, tornam-se vates. Como eu.

- Vates são poderosos - murmurou reverentemente Parnell, de pé atrás da cadeira de Agnes.

Agnes apenas balançou a cabeça, olhos arregalados.

- Parnell é modesta - assegurou Brangwy. - O conhecimento dela supera o meu.

- Assim, você vai influenciar a garota - minimizou a bruxa, mãos apoiadas no encosto da cadeira.

Agnes ergueu brevemente os olhos para a mãe adotiva, admirada. Se Parnell sabia tanto, porque ainda assim insistia para que ela conhecesse outras alternativas? Talvez por modéstia, concluiu.

- O sacrifício aqui é maior, - prosseguiu Brangwy - porque não vai poder mandar outrem em seu lugar: a deusa exige que você seja a oferenda.

Agnes apenas balançou a cabeça, muda.

- A recompensa também é proporcional ao sacrifício - afirmou a vate. - E através da poesia, você poderá sentir o que nenhuma ferreira ou curandeira jamais irão experimentar: a comunhão com a deusa.

- A inspiração desce até você, - murmurou baixinho Parnell atrás e acima de Agnes - e o hálito de Bríd enche os teus pulmões. Não há mais qualquer barreira que te separe da deusa, vocês se tornam uma só.

Por um breve instante, Agnes percebeu o que aquilo queria dizer. E seus olhos se arregalaram novamente.

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