O preço do conhecimento

 

E no segundo dia, retornando Agnes ao pântano acompanhada de Gwaeddan, a ferreira, esta lhe falou sobre os espíritos que guardavam o lugar contra a intromissão de forças malignas.

- Nosso povo veio do norte, fugindo de inimigos que nos perseguiam - explicou Gwaeddan. - Por muito tempo, nos abrigamos nas florestas ao redor do pântano, até que Bríd nos revelou como usar o ferro e a turfa, e assim nos defender contra quem nos atacasse.

- A deusa veio nos visitar? - Inquiriu Agnes, surpresa pelo fato duma entidade tão importante preocupar-se com meros mortais.

- Há quem diga que Bríd surgiu num sonho da sacerdotisa Eiluned - explicou pacientemente a ferreira; - outros dizem que Eiluned encontrou-se com ela numa ilha encantada no meio do pântano. Seja lá como for, Eiluned voltou para a tribo com o conhecimento das artes ensinadas pela deusa: a metalurgia do ferro, a poesia e a cura pelas plantas. Mas Bríd nos advertiu que seus ensinamentos tinham um preço, e que este preço deveria ser depositado na turfa.

Agnes lembrou-se do costume do seu povo de atirar colares, potes e ornamentos no pântano, como forma de agradar os velhos deuses.

- Isso agora, - assentiu Gwaeddan - mas originalmente o que Bríd pediu, foram sacrifícios humanos.

Agnes abriu a boca, espantada.

- Então, matavam pessoas e as enterravam no pântano?

Gwaeddan fez um gesto afirmativo.

- Quase sempre, prisioneiros de guerra, capturados em batalha; eles tinham a honra de servirem Bríd no além-túmulo.

E como Agnes continuasse apreensiva, acrescentou:

- Mas isso faz muito, muito tempo. O preço foi pago, e esses sacrifícios terminaram.

- Ainda bem... estava aqui pensando que, se precisasse tirar a vida de alguém, não entraria para o culto de Bríd - admitiu Agnes.

Gwaeddan acariciou a cabeça da garota.

- Acalme-se. Aprender a usar uma arma e defender-se, é sempre importante... mas a deusa não pede mais que o sangue de homens seja derramado em sua homenagem.

Agnes anotou mentalmente que Gwaeddan não falara em mulheres... nem em meninas. Subitamente, a mãe adotiva, Parnell, parecia ter se tornado a pessoa mais doce e amorosa do mundo.

* * *

- Você está tão quieta - observou Parnell, após ir buscar Agnes na choupana da ferreira.

- Estou pensando nas coisas que Gwaeddan me disse - replicou finalmente a garota.

- Desconfio que metade do seu encantamento pelo culto de Bríd, foi pelos ares - observou Parnell sardonicamente.

Agnes apenas apertou mais forte a mão que a mãe lhe dava, e não redarguiu palavra.

- Não sei se deveria me estender nisso, mas Bríd não é só ferro, turfa e pântano - comentou Parnell. - Gwaeddan deve ter lhe falado dos outros atributos da deusa...

Agnes olhou para a mãe e balançou afirmativamente a cabeça.

- Poesia e cura - prosseguiu Parnell, meio de si para si. - Eu tenho amigas que as praticam, podemos vê-las em seguida.

E olhando para a filha adotiva:

- Isto é, se você quiser.

Agnes fez que sim com a cabeça.

- Bom! - Exclamou Parnell. E com uma piscadela:

- Não vai precisar enterrar ninguém no pântano para aprender...

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